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segunda-feira, 28 de junho de 2010

• TEMPOS MODERNOS: As férias da nova geração

Com a indústria do brinquedo, videogames e eletrônicos, crianças da modernidade não criam mais jogos ou brincadeiras, tudo vem pronto.
FOTO : NATINHO RODRIGUES


O espaço ludico tem sido cada vez mais estreitado, famílias dão maior preferência a locais privados e seguros
FOTO: MARÍLIA CAMELO



Em tempos de jogos on line e flash offline, as férias da "Geração Y" deixam crianças longe das velhas brincadeiras

Para a maioria das crianças, essa é a primeira semana das férias. É chegado, então, o tempo em que não é necessário acordar cedo para ir ao colégio e tampouco preocupar-se com a tarefa do curso de inglês.

Seria hora de mudar a rotina, tão preenchida por atividades intelectuais e que envolvem o uso de computadores. No entanto, se não forem proporcionadas atividades lúdicas e diferenciadas, muitas crianças permanecem, mesmo no tempo de férias, dedicando grande parte do tempo às telas de computadores, videogames, mini-games, celulares e eletrônicos.

É o que se pode observar na rotina de João Jou Fujiwara. Ele chega da escola ao meio dia, liga o computador e ali fica, até meia noite. Só levanta para ir ao banheiro e comer alguma coisa. Assim ele conta, enquanto dá entrevista, jogando uma partida de games on line. A rotina de férias também não tem sido muito diferente. No entanto, ao invés de doze, são sete horas em frente a uma tela de notebook, enquanto o pai trabalha.

João Jou tem onze anos e não é diferente de muitas crianças brasileiras. De acordo com a educadora física Samara Maia, a interação virtual e a dedicação aos jogos de computador fazem parte da rotina de oito alunos em cada dez com quem ela convive diariamente. "Para se ter uma ideia, como a questão é larga, uma pesquisa divulgada pela Millward Brown Brasil, apontou que as crianças brasileiras, de 4 a 12 anos, são as que mais acessam a internet no mundo todo. Os resultados indicam ainda que elas passam cerca de 13 horas online por semana e a maior parte do tempo é gasto com jogos e similares".

De acordo com Samara, esses jovens são conhecidos como pertencentes a "Geração Y", que se desenvolveram numa era de grandes avanços tecnológicos, nas duas últimas décadas.

Mas prejuízos no desenvolvimento da criança podem ser muitos, se não houver um equilíbrio com atividades físicas, que devem ser praticadas tanto na escola como fora delas, alerta a educadora.

De acordo com ela, são poucas as crianças que conhecem brincadeiras tradicionais como queimada, boca de forno, jogos de elástico, macaco-cego. Isso porque o contato com outras crianças tem sido diminuído ao longo dos anos, até mesmo por conta do formato de habitação que se tem construído, observa.

A pedagoga Lidiany Santos, da Pastoral do Menor, observa que, embora o brincar seja um direito garantido em Lei, ele tem sido negligenciado nos últimos tempos. "A brincadeira de rua tem sido encarada como uma situação de risco pessoal, mas a criança que não brinca, adoece, a infância sem brinquedo e sem brincadeira compromete a formação das futuras gerações". Ela acredita que muitos pais ignoram os benefícios das atividades físicas e de socialização. "Todas as brincadeiras que permitem que a criança tem contato com areia, água, argila, tintas, objetos que fazem barulho e remexem o corpo atuam no controle da agressividade, no estímulo da criatividade", observa.

Para o pediatra Henrique Sá, os jogos eletrônicos têm a sua importância, as crianças e adolescentes não devem ser privadas das novidades, no entanto, os cuidados com o uso excessivo desses recursos deve ser observado. "O estímulo interrupto ocasionado pelos computadores, videogames e TV causam fadiga, bem como o comprometimento de três sistemas: o nervoso, os músculos esquelético e o metabólico. Dependendo da criança e da quantidade de exposição à esses recursos, alguns resultados negativos podem ser observados, como a diminuição do apetite, insônia, indisposição e o sedentarismo precoce, bem como a obesidade, em alguns casos".

COMPORTAMENTO
Brincadeiras de rua em extinção

A insegurança das cidades e a oferta de atividades em locais privados transformam o espaço da brincadeira

Os irmãos João Pedro, 9 anos e Luiz Arthur, 6 anos, embarcam com os pais nas livrarias e por ali passam horas, mergulham nas histórias, enquanto os pais estão ao lado, supervisionando, mas divertindo-se também.

Cada vez mais em busca de diversão em lugares seguros, os pais do século 21 tem frequentado espaços privados ao invés de públicos, acredita o doutor em Educação pela Universidade de Barcelona, Marcos Teodorico.

De acordo com ele, a falta de espaço, a insegurança nos grandes centros urbanos e a falta de tempo livre dos pais tem contribuído, gradativamente, para que as brincadeiras de rua sejam compensadas com outros tipos de atividades. Tanto que as alternativas encontradas para a socialização e preenchimento de tempo livre como colônia de férias e oficinas de jogos, estão sendo cada vez mais disseminadas.

Opções estas, que estão atingindo não somente famílias de classe media, como também aquelas que moram na periferia e que, por diversos fatores, encontram-se em situação de vulnerabilidade social.

A este exemplo temos a programação que a Pastoral do Menor está organizando em comunidades periféricas de Fortaleza. Presente em 25 comunidades na Capital, a Pastoral atende aproximadamente 1500 crianças e adolescentes.

Com a chegada das férias, estão sendo programadas atividades lúdicas em três polos. No bairro Tancredo Neves que comanda a brincadeira fica por conta do grupo "Construindo uma nova amizade". Na Barra do Ceará, o coletivo é chamado de "Pequeno Cidadão". No Mondubim, os moradores se encontram no grupo "Santa Maria Eufrasia". As pessoas interessadas podem procurar a igreja católica do bairro, que também divulgará a programação. A Pastoral do Menor é um serviço vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Mais informações

Instituto de Educação Física e Esporte-UFC - Tel: (85) 3366.92.16
http://www.labrinjo.ufc.br
labrinjo@ufc.br

Entrevista- Marcos Teodorico

Jogo individual e falta de espaço público para as crianças do século XXI

Como você definiria as férias da criança do século XXI?

Desejadas. São dias em oposição à vida escolar, muito esperados, vistos como uma libertação, quando a crianças pode ensaiar uma autonomia, com vivências intensas e culturais. Para alguns pais, pode representar dificuldade, se eles não puderem estar presentes ou oferecer passeios.

Por que, mesmo nas férias, as crianças brincam pouco nas ruas e mais em casa?

Existe uma tendência mundial de que os espaços privados como nossa casa, estão sendo reduzidos nas suas dimensões, e neste novo modelo não tem sido contemplado um lugar para que a criança brinque o que restringe as possibilidades lúdicas. As alternativas são o jogo autônomo ou solitário e em geral silencioso, onde a criança joga com máquinas e não já com pares.

Então, é por isso que vemos poucas pipas no céu? As crianças não constroem mais brinquedos?

O fenômeno da indústria de brinquedos e equipamentos, transformou a criança em consumidora, um alvo comercial. Essa produção em série conduz a uma deterioração dos valores morais e tradições culturais. Os hábitos cotidianos da criança mudaram radicalmente. Brincar na rua é em muitas cidades do mundo uma espécie em vias de extinção. Tendo implicações graves na esfera do desenvolvimento motriz, emocional e social. Sem a imunidade que lhe é conferida pelo brincar espontâneo, pelo encontro com outras crianças em um espaço livre, onde se brinca com a terra, se inventam jogos e brincadeiras, se vivem aventuras emocionantes, a criança vai hoje tendo menos capacidade de defesa e adaptabilidade às novas circunstâncias do mundo.

Brincadeiras estão sendo esquecidas? Os adultos contribuem para essa perda de memória lúdica?

As famílias já não dispõem de tempo suficiente para estarem com seus filhos, momentos em que ocorria a aprendizagem lúdica. A todos esses fatores podemos acrescer a falta de espaço, consequência da insegurança da vida nos grandes centros urbanos, e o acúmulo de atividades extracurriculares, que têm banido gradativamente o lúdico das atividades realizadas pelos pequenos. Estudos da Unesco, Onu e Unicef apresentam dados negativos dessa mudança progressiva.

*Professor da Universidade Federal do Ceará - UFC

Fonte: Diário do Nordeste

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